Still Alive

As feridas da experiência com lobos ainda doem, mas não tanto quanto antes. As perguntas já não me assombram tanto. Eu sei que isso é apenas uma trégua temporária entre eu e o mundo lá fora. O que me resta agora é tentar aprender como isso tudo funciona. As pessoas da casa tentam me ajudar com isso, especialmente Hannah.
Hannah. Era engraçado ver como ela tentava me explicar sobre este lugar, e como eu tentava entender.

A noite já havia chegado. Não sei por que, mas quase todos os outros saem à noite portando suas armas e não voltam até o amanhecer. Eles sempre voltam carregados de carne, ossos, entre outros. Estranho? Não sei dizer. Estávamos sozinhos lá. Eu e Hannah.

Como todo o resto da casa, a sala e sua mobília eram feitas do mesmo tipo de madeira. Um alegre fogo, vindo de uma das várias fornalhas, crepitava e lançava sombras na sala. Estava sentando ao lado de Hannah, que preferia sempre ficar ao lado da janela. Vai ver ela estava preocupada com algo, não sei dizer. Finalmente, ela deu um daqueles longos suspiros e começou seu discurso.

-Nós somos seis ao todo: Paul, Jenny, Eu, Scott, e você. Basicamente, nosso único objetivo aqui é sobreviver. – E logo emendou uma longa explicação sobre tudo que eu possa ou não ter dúvidas. A única coisa que consigo reparar é nela mesma. E nas dicas sobre lobos e animais.

Não era muito jovem, mas nem tão velha. Vestia um conjunto de roupas simples, que contratavam com sua pele morena tão bonita. Seus cabelos estavam arrumados de qualquer jeito numa trança. Várias cicatrizes insistiam em tomar conta de seu corpo. Uma delas, em especial, se estendia da bochecha até bem perto do olho esquerdo. Ah, aqueles olhos... O verde deles era natural, nada parecido com o daquelas campinas. Olhos que estavam encaravam agora.

-Olha, eu sei que isso é difícil para você entender. Mas... – Ela deixa a sentença no ar, sem chegar a completar a mesma. Bem, é claro que eu não estava entendo nada. Um silêncio estranho se instala entre nós. Antes mesmo de ela poder completar a frase, digo a primeira coisa que me vem à cabeça.

-Posso confiar em você? – De todos os milhares de perguntas que tenho para fazer, porque logo essa? Deve ser porque essa é a que mais me preocupa. Às vezes nem eu mesmo me entendo. Antes de responder a pergunta, Hannah se volta para a janela, olhando fixamente para o vazio que se estende.

-Sim. Nós somos sua família agora, não somos? E essa... É a sua casa. – Voltou sua atenção para a janela. Algo sobre essa última afirmação estava a incomodando. Isso estava estampado na sua expressão de tristeza. Aquela que ela sempre carrega, não importa onde esteja. A tristeza dela logo vira mais um item da lista de coisas para tentar entender.

Sozinho, pela primeira vez em dias, a trégua finalmente se desfaz. Como eu havia previsto, as perguntas retornaram com força total. E agora seus tópicos envolvem milhares e milhares de coisas. O sol forte só piora as coisas. Aquelas campinas tão verdes. O céu tão azul. Pois mais bonita que seja, essa paisagem ainda me dá um pouco de nojo. Não é real. Disso tenho certeza. Tento voltar à atenção para meu alvo.

Como eu já tenho minha saúde restabelecida, devo começar a ajudar o “resto”. Bom, eu não posso negar que tento. Vamos lá, é só uma galinha... Com a espada em punho, avanço para cima dela. É, ela acaba morrendo. Deveria ficar feliz por isso. Mas como tudo por aqui, até a morte parece ser de mentira. Balanço a cabeça.
Vai ver é melhor eu se esquecer de tudo isso e tentar viver normalmente.

Deus, o que você está fazendo comigo?

-Steve! Se continuar assim vai arrancar a cabeça de alguém. – Balançou a cabeça negativamente, levando sua juba de cabelos vermelhos de um lado para o outro. Um efeito parecido com o de fogo. Tomou a picareta de minha mão e logo começou a repetir os movimentos básicos. –Está vendo? – Bem, vendo eu estava. Só não podia garantir meu entendimento sobre o assunto.

Scott (seu nome, por sinal) era de longe, a pessoa mais normal daqui. Não era triste como Hannah, ou carrancudo e preocupado como os outros. Sempre com um sorriso no rosto e de bom humor, era um verdadeiro alívio poder passar algum tempo com ele. Nada parecia o abalar. Um pouco alto e covarde, tinha uma queda por minérios e construções.

Neste momento, estávamos nos preparando para explorar uma caverna. Eu, no meu martírio diário, estava tentando me preparar para mais uma enxurrada de perguntas. Sempre elas. Um sol fraco indicava que ainda estávamos no meio da tarde. Ele era até engraçado. Sua cor era artificial, como todo o resto. Estava preso naquela imensidão de azul, enquanto umas nuvens, que aparentavam ter sido desenhadas com réguas, orbitavam a sua volta.

Preso naquele ciclo infinito, era como eu. A única diferença é que ele não divagava sobre o porquê disso. Voltando ao assunto principal, eu e o Scott estávamos em mais uma daquelas planícies de sempre. Verde, infinita, árvores, mais como uma pintura... É.

-Bem, acho que você já entendeu como se usa isso. Vamos embora? – Scott diz, enquanto devolve a picareta para minhas mãos. Vai andando na frente, e de repente para. –Cara?

Quando noto, ele já está bem na frente. Corro para alcança-lo.

-Nossa, acabei me distraindo, Mas, para onde estamos indo? –Perguntei. E a dúvida logo retornava.

-Só posso falar que você vai adorar! - Pausa para risadas. – É, mas para isso, você precisa andar rápido.


Ele não mentiu. O lugar era realmente impressionante. Quilômetros e quilômetros de pedra, embaixo de tudo. Tochas pendiam em alguns cantos, sua luz dava um tom avermelhado e misterioso para aquelas paredes sem vida. Em intervalos irregulares, algumas das rochas apresentavam um brilho diferente. Minérios diferentes, segundo Scott. Logo nos pusemos a trabalhar.

O que parecia ser divertido de primeira, se transformou num trabalho duro e tedioso num piscar de olhos. Bater a picareta na pedra, verificar a próxima, quebra-la. E isso se repetia. Vez ou outra alguma questão aleatória me rondava. Mas não, o trabalho duro meio que bloqueava isso. Isso era bom, em termos.
Os momentos se arrastavam, até que a atmosfera da caverna fora tomada por alegria: Havíamos achado ouro! Doze pepitas no total. Não muito, mas suficiente para algumas ferramentas, segundo meu companheiro.

E o silencio se instalara novamente. Após alguns momentos de ponderação, logo tomei coragem e perguntei.

-Você nunca se perguntou sobre aqui? Você sabe, o motivo disso tudo...

Seu costumeiro sorriso deu lugar a uma expressão mais sombria, algo entre dúvida e temor. Demorou a responder, como se esperasse algo. A penumbra causada pelas tochas deixava isso muito mais sinistro. Sua voz saiu num sussurro.

-Bem, não acho que você precise se preocupar com isso. É, vamos lá, ainda temos outra parte daqui para explorar.

Arrependo-me por ter feito a pergunta. Mas, mas a reação dele foi meio... Estranha? Sim. E isso só serve para provar minha teoria de que algo está errado. Enfim, melhor me preocupar com isso noutra hora.



A gente acabou se separando na caverna. “Assim podemos cobrir mais partes” Foi o que ele disse. Acho que só queria um tempo sozinho, sei lá. Bem, apenas continuei com a minha vida normal. Mas tudo tende a ficar estranho de uma hora para outra. Sempre. Antes de bater mais uma vez a picareta na pedra desgastada, notei algo. Algo que daria calafrios em qualquer um que eu já tivesse conhecido.


Por toda a parede da caverna. Em letras vermelhas. Grandes letras vermelhas. Não é que isso poderia ficar mais estranho? Realmente, agora eu tenho motivos reais para duvidar de minha sanidade. Perco algum tempo imaginado teorias mirabolantes para a origem disso. Nenhuma delas me parece ser convincente. Seria plausível se eu tivesse medo disso. Não, o que eu sinto é apenas uma grande curiosidade. É real, alguém realmente escreveu isso ou sei lá. Tenho certeza disso. Mas sobre seu significado, tenho ideia nenhuma. Uma mensagem, ou pista... Será que existe alguém querendo se comunicar comigo. Talvez...

Algo me desperta desse mar de suposições. Um grito de terror. De Scott, com certeza. Sem ao menos pensar, apanho minhas coisas e corro tentando alcançar a origem do som. Merda, justamente quando preciso não sei o caminho para a outra parte. Outro grito, mais longo desta vez. O temor toma conta de minha mente. E se? Não, não tenho para isso. Concentro-me em correr.

Porque eu me distanciei tanto?

Alguns longos minutos de procura. Por mais que eu tivesse tentado, não consigo chegar antes de ouvir a explosão.